Carnaval Revolução 2008

Desde 2003 acontece
todo ano em Belo Horizonte o Carnaval Revolução. Desde
2004 que tento participar mas nunca tenho dinheiro nessa época
do ano. Nesse ano não foi diferente, mas consegui algum
dinheiro emprestado e participei ao menos dessa vez, do que foi a
última edição do evento. A característica
mais interessante do Carnaval Revolução é a
multiplicidade da programação. Temas como
VEGetariANISMO, Software Livre, utilização de
Bicicletas, Hortas Urbanas, Fitoterapia, Somaiê, Anarquismo
Social, Primitivismo e principalmente cultura Faça-você-mesmo
estavam todos ali ao mesmo tempo, numa salada completada por
apresentações musicais. Fiquei um pouco decepcionado
com o cancelamento das atividads do Cacique Marcelo, que iria falar
sobre resistência e espiritualidade indígena, mas mesmo
assim, não estragou o evento. Uma coisa que chamou a atenção nos almoços foi o sistemecológico de lavar louças, conhecido como O Sistema das Três Bacias, hehehe. Aí vão algumas das minhas impressões
das atividades que participei no Carnaval:

Locomoção
urbana: a bicicleta na cidade

Nesse debate rolaram
trocas de experiências sobre a utilização da
bicicleta como meio de transporte ecológico. Como as cidades
modernas foram desenhadas para os carros, a situação
dos ciclistas parece ser a mesma na maior parte das cidades
brasileiras: quase não há ciclovias, e quando existem,
não levam a lugar algum ou apenas contornam parques. Além
disso, os ciclistas são geralmente vistos como o inimigo
número 2 dos motoristas, perdendo apenas para os motoqueiros.
Nesse sentido as bicicletadas têm um papel importante, pois só
quando estão em um grupo grande os ciclistas são
percebidos como trânsito. Mais sobre a bicicletada.

Primitivismo:

Essa foi a primeira e
única palestra do evento que participei feita por John Zerzan,
um pensador estadunidense que foi convidado para participar do
Carnaval.

Parece que o
primitivismo é algo que surge paralelamente à
manifestações como o terrorismo poético e
caoismo, ou guerrilhas psicológicas a la Wu Ming, Luther
Blisset e Discordianismo. Diria ainda que são descentendes dos
situacionistas, grupos e pessoas decepcionadas com os consecutivos
fracassos da esquerda tradicional, que parecem um tanto confusos e
buscam formas “esquisitas” de pensar e desafiar o mundo frio que
criamos.

Zerzan falou algumas
coisas interessantes sobre os rumos da tecnlogia e da civilização,
que se assemelharam ao que ele falou no documentário Surplus.
Criticou também a divisão e especialização
do trabalho, com um discurso que se aproxima de Bob Black. Até
aí ele fez uma fusão do que já disseram alguns
pensadores, como Ivan Ilitch, no texto Energia e Equidade, já
indicou que quanto maior o nível tecnológico, maior a
quantidade de energia necessária, e quanto mais energia não
metabólica está envolvida nos processos industriais,
menos igualdade e maior divisão de classes existirá. O
que desorientou o pessoal, além da tradução
problemática das falas do gringo, foi o fato da proposta de
Zerzan ser bastante atípica: acabar com toda tecnologia e
voltar a viver de forma primitiva, para assim causar o mínimo
de danos ao planeta. Do ponto de vista teórico até faz
sentido, num mundo primitivo sem tecnologias avançadas não
existem classes, uma vez que, como Marx já afirmou, a divisão
de classes é garantida pela existência de proprietários
das tecnologias e meios de produção. Mas do ponto de
vista prático, é muito difícil imaginar
esquecermos tudo e voltarmos às cavernas. Individualmente até
pode funcionar, mas não vai mudar nada, o resto do mundo vai
continuar destruindo tudo. Infelizmente Zerzan não respondeu
direito às diversas perguntas que as pessoas fizeram, e nem
explicou direito o conceito de tecnologia dele. Pessoalmente, acho
que o problema do primitivismo é demonizar demais o aspecto
tecnológico como culpado pela desgraça da humanidade.
Antes da criação das tecnologias existem interesses
individuais e coletivos que as criaram. Acredito que o interesse de
dominação humana que cria tecnologias de dominação,
e não o contrário. Ademais, não tenho leitura
suficiente no assunto pra formar uma opinião completa e fechada, pretendo
ainda ler os livros de Daniel Quinn, que muitos já me
recomendaram. O sítio erva daninha tem muita informação sobre o assunto.

Hortas Urbanas:

Essa atividade foi
conduzida pelo pessoal do grupo Germinal, que são algumas
pessoas da FARJ (Federação Anarquista do Rio de
Janeiro) envolvidas com agroecologia. Foram discutidas técnicas
de como estar cultivando em meio ao espaço urbano. Rolaram
discussões sobre como plantar os alimentos que comemos traz
autonomia às pessoas, além de ser a opção
mais saudável. O mais recomendado é utilizar sempre
sementes orgânicas (como as da marca Isla Sementes), livres de
qualquer tipo de agrotóxico. O mais interessante nesse sentido
são as hortas comunitárias, a realização
de multirões para transformar terrenos baldios em lugares de
vivência comunitária, cultivando alimentos. Mais sobre a FARJ nessa entrevista.

Somaiê:

A somaiê é
descrita como uma coisa vagabunda. É uma ramificação
da somaterapia, que foi criada por Roberto Freire, inspirada na
terapia corporal Reichiana, na capoeira angola, e na prática
anti-autoritária do anarquismo. Segundo Ruy Takeguma, criador da somaiê, o que diferencia a soma da somaiê é a inclusão da prática da biologia do conhecer, do chileno Humberto Maturana e o fato da soma ter se aproximado das universidades. No último dia do
Carnaval participei de um debate seguido de uma “sessão”
de somaiê. As sessões de somaiê são
compostas de exercícios com o intuito de desbloquear as
“couraças” ou neuroses criadas pelo autoritarismo e as
injustiças sociais. No debate, Ruy Takeguma fez uma crítica
à FARJ, com a justificativa de estar se defendendo das
críticas que a FARJ faz à somaiê. Dicotomias são
criadas em todos os lugares para separar os certos dos errados, os
vilões dos mocinhos, os verdadeiros revolucionários dos
falsos revolucionários, o corpo da mente, etc. Milênios
de anos seguindo a tática do “dividir e conquistar” e
praticamente não conseguimos pensar de outra forma.. A
dicotomia em moda no anarquismo é o “social VS estilo de
vida”. A maioria dos ativistas e militantes, condena práticas
como a da somaiê por focar na libertação do corpo
e da mente do indíviduo e não no coletivo. Assim como
gente como o Ruy da somaiê critica os ativistas e movimentos
sociais por tentarem salvar quem não quer salvação
e não olharem para si próprios. É uma questão
complicada, acho que o ideal é integrar práticas
libertárias tanto individual quanto coletivamente, pois não
consigo visualizar a raiz do problema como apenas no indíviduo
ou apenas no coletivo. 

Pra entender melhor a soma e a somaiê, é interessante assistir o documentário "Soma, an anarchist therapy" feito por Nick  Cooper. O trailer pode ser assistido aqui.

3 thoughts on “Carnaval Revolução 2008”

  1. Cada um observa a realidade da sua maneira. Quando falo da individualidade, não é no mesmo caminho da objetividade-sem-parenteses (como o Maturama nomeia) em que se percebe essa dicotomia apontada: priorizar a individualidade e/ou a coletividade.
    Procuro exercitar o caminho da objetividade-entre-parenteses no meu perceber e atuar, enfim como vivo e proponho com a Somaiê e Te&So. Assim, nessa forma de perceber a realidade, não existe essa dicotomia pois, só temos um corpo e o viver é individual. Tanto nossa experiência da realidade é individual, bem como nossa atuação acontece num interagir do nosso corpo. Assim, quem acha estar sendo individualista, está atuando em níveis que podem ser observados como coletivos; assim como quem se coloca como coletivista, esta fazendo essa opção na sua individualidade.

    Propomos a percepção da realidade ser deconstruídas desses ideais que você propõe. Ao perceber o universo como multiverso, vemos que cada pessoa pode encontrar um ideal SEU.
    E também fugir das abstrações da linguagem como social x estilo de vida. Ao perceber que podemos atuar e ver a realidade com nossa subjetividade, propomos uma atuação no que chamo de anarquismo entre parenteses. O que resumidamente e neste contexto, pode ser comparado a perceber como seu estilo de vida é o social que se propõe existir.

    Não tenho problema com a FARJ ou qualquer outro coletivo, anarquista ou não. Mas faz parte da nossa crítica em acreditar num anarquismo corporal e no presente (o aqui e agora radicais), e diferencias de pessoas que possuem o discurso de anarquismo social, mas não o fazem na sua individualidade (amor, sexo, produção, criação) o que se torna contraditório e, para nós, um comportamento reacionário que buscamos eliminar dos nossos corpos.
    Por outro lado existe anarquistas que militam em coletivos libertários sociais e vivem (ou buscam viver ao máximo) o anarquismo na sua individualidade. O maior exemplo que conheci foi o Jaime Cubero, que na maior parte de sua vida, foi secretário do Centro de Cultura Social de SP.

    Ademais, muito bom seu resumo da somaiê e gostei de seu blog.
    abraços
    Rui Takeguma
    produtor de Somaiê
    http://www.somaie.ning.com

  2. adorei sua análise, faltou você participar da palestra sobre pedagogia libertária, que também rendeu e muito.

  3. Carnaval tem um ambiente que eu acho meio mágico de tão legal hehehe… Ótimas resoluções das palestras! Estava mesmo querendo saber o nome do chileno que o Ruy Takeguma falou.

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