Tom Zé e Mutantes em 1969

Tenho tido pouco tempo pra escrever por aqui, pois meu tempo tem sido dividido com dificuldade entre escrever a monografia de TCC, participar de projetos de Software/Hardware Livre e gravar um disco com a banda Lugar Nenhum no nosso estúdio. Temos o objetivo de documentar na Internet todo o processo de gravação quando esta for finalizada, com a intenção de colaborar com outras bandas que desejam aprender sobre métodos artesanais de gravação analógica.

Falando em música, seguem dois vídeos de 1969, do Tom Zé e Mutantes tocando no programa Jovem Urgente, que era exibido pela TV Cultura. O psiquiatra Paulo Gaudêncio, apresentador do programa, aborda temas como sexualidade, mobilidade e poluição urbana com grande maturidade, além de que, mesmo gravadas há 40 anos, suas palavras de preocupação e reivindicação ainda podem ser consideradas atuais. As músicas tocadas pelos "tropicalistas" complementam o caldo de idéias..

 

 

 

 

Viver cantando

Cartola“Todo mundo tem o direito
De viver cantando
O meu único defeito
É viver pensando
Em que não realizei
E é difícil realizar
Se eu pudesse dar um jeito
Mudaria o meu pensar

O pensamento é uma folha desprendida
Do galho de nossas vidas
Que o vento leva e conduz
É uma luz vacilante e incerta
É o silêncio do cipreste
Escoltado pela cruz”

(Cartola / Carlos Cachaça)

Afrobeat: Jazz, Groove e resistência!

Ao falar sobre música como forma de resistência e/ou indignação em relação às atrocidades da ordem vigente, normalmente pensa-se em movimentos como o Folk estadunidense (notoriamente Woody Guthrie e seu pupilo Bob Dylan) e o Punk, que  espalhou belas práticas como a do faça-você-mesmo. Mas há um paralelo africano com esses movimentos que infelizmente é pouquíssimo conhecido, o Afrobeat. Criado por Fela Ransome Kuti, o Afrobeat é uma mistura de jazz, funk e ritmos tradicionais africanos (highlife music). Fela Kuti nasceu na Nigéria e na juventude mudou-se para Londres a fim de estudar medicina, mas foi a música que capturou sua essência. Na Inglaterra mesmo, ele formou a banda ‘Koola Lobitos’.

No final dos anos 60, Fela Kuti foi para os Estados Unidos e gravou o disco, ‘The Los Angeles sessions’, e conheceu o grupo anti-racista ‘Panteras Negras’ que lhe mostrou o movimento blackpower, e acabou definindo sua luta política em prol de movimentos sociais na sua terra natal, tanto que ele renomeou a banda para ‘Nigéria 70’. Fela adotou o nome Anikulapo, que significava ‘aquele que carrega a morte no bolso’, e repudiou o nome Ransome por ser o nome de escravo da família. Com títulos sugestivos como Vagabundos no Poder, as músicas de Fela ridicularizavam os militares e a elite nigeriana, que cada vez mais explorava os pobres e usava da violência no regime ditatorial. Fela Kuti, muitas vezes, falava de problemas e tristeza em meio a percussões, sax, vozes femininas, bateria – groove. Sua mensagem passava do campo político para o campo humano, o que produzia uma atmosfera de identificação e prazer em suas apresentações, um clima de interação. O cenário de seus shows, um emaranhado de som, imagens, dança, ilusão e sonho, estava diretamente ligado a suas lutas e àquilo em que acreditava.

No auge de sua rebeldia – e megalomania -, Fela juntou seus seguidores e fundou a república de Kalakuta, declarando-a independente da Nigéria. O lugar, um conjunto de casas pintadas de amarelo e cercadas por arame farpado, tornou-se o lar perfeito para o retorno às raízes africanas que Fela tanto buscava em suas canções. O músico passava a maior parte dos dias sentado em um trono, vestindo apenas uma tanga e fumando baseados de maconha egípcia que impressionavam pelo tamanho. Para completar, casou-se com 27 mulheres de uma só vez, em uma cerimônia tribal que faria inveja a qualquer rockstar americano.

Na noite de 18 de fevereiro de 1977, mil soldados do exército nigeriano montaram cerco à comuna conhecida como República de Kalakuta. A missão era calar o maior popstar e rebelde antimilitarista africano: Fela Kuti. Mulheres foram estupradas pelos soldados e a mãe de Fela Kuti foi atirada do segundo andar de sua própria casa, vindo a falecer alguns meses depois. Fogo, destruição e a prisão de Fela Kuti foram os resultados da ação militar. Depois de um período de exílio em gana, o músico retornou à Nigéria. Durante os anos que se seguiram, Fela continuou a desafiar os militares e a ditadura na Nigéria e voltou para a cadeia algumas vezes, até que no dia 2 de agosto de 1997, morreu vítima da aids. 

Sua música criativa e sincera ficou como influência em grandes jazzistas como Femi Kuti, (filho do Fela) o etíope Mulatu Astatke e o excelentíssimo grupo novaiorquino Antibalas Afrobeat Orchestra. O Antibalas é um dos meus grupos favoritos e está na ativa seguindo a tradição do afrobeat, juntando ritmos dançantes e experimentalismo à uma profunda mensagem política e humana.

Válvulas e Vinis

É impressionante como nas últimas décadas o mercado se tornou
especialista em produzir mais e mais tecnologias novas, que nem sempre
são melhores que as anteriores, mas mesmo assim as pessoas convencem-se
que são. Dois exemplos típicos são no âmbito da música: amplificadores
solid state (transistorizados) e mídia CD. Ambos oferecem alguns
benefícios imediatos: os amplificadores produzidos com transístors ao
invés de válvulas tornaram-se mais baratos e leves, assim como o CD
trouxe a vantagem do tamanho flexível, capaz de se transformar
facilmente. Mas em questão de timbre musical, nada se compara aos
amplificadores valvulados e aos nostálgicos vinis. Segue abaixo a
explicação do porquê, diretamente coletada da Matrix:

Válvulas

O
verdadeiro motivo pelo qual amplificadores valvulados soam melhor do
que seus descendentes solid state é a diferença das características de
seus componentes ativos ou seja, válvulas e transistores. Os
transistores saturam-se com extrema facilidade e é exatamente por isso
que é difícil projetar um amplificador solid state com som limpo, sem
distorções. A válvula satura-se com mais dificuldade e por isso os
amplificadores valvulados apresentam um som tão limpo e cristalino.
Mas, quando se usa distorção (saturação) é que os solid state ficam
ridículos (Em tempo: quando falo de distorção/saturação, refiro-me aos
altos volumes e não à utilização de pedais overdrive, ok?).

Os
transistores, assim como as válvulas, geram freqüências inexistentes no
som original (som da guitarra), além de achatar demasiadamente os picos
da forma de onda. Essas freqüências sempre são harmônicos de cada
freqüência original e é aí que reside a principal diferença sonora. Os
transistores geram harmônicos de todas as ordens e as válvulas geram,
apenas, os harmônicos pares. O resultado é uma distorção clara e firme
nos amplificadores valvulados e uma distorção "suja" com graves e
médios-graves "ocos" nos solid state. Num acorde distorcido nos
valvulados notam-se todas as notas; é possível dedilhar deliciosamente
e emendar um solo arrasador seguido de uma palhetada delirante nos
bordões. Nos solid state só conseguimos chegar mais ou menos perto
disso, com amplificadores extremamente bem projetados, de som limpo, e
utilizando overdrives valvulados, mesmo assim obtemos a típica
distorção de pré. Outros dois fatores que moldam o timbre dos
valvulados é a ressonância da própria válvula que é oca e trabalha com
vácuo e o transformador de saída, que não é linear e, portanto introduz
modificações no timbre (Os transistores não necessitam de
transformadores para acoplarem-se aos alto-falantes, já as válvulas,
devido a sua alta impedância de saída, devem ter essa impedância casada
com a dos alto-falantes). Isso modifica drasticamente as
características originais do sinal da guitarra. Um inconveniente da
distorção dos valvulados é que só conseguimos os melhores timbres com
altos volumes (você tem vizinhos?) pois as válvulas saturam-se quando
estão trabalhando com altos ganhos e isso, nos pentodos ou tetrodos de
saída, significa regime de alta potência. 

Vinis 

No vinil a gravação é analógica, ou seja, as ranhuras produzem na
agulha as vibrações (ondas, senóides) do ar que geraram o som, conforme
foi gravado, com todos os sons harmônicos que são gerados na execução
ao vivo. No CD há uma digitalização dos sons, isto é, cada ponto da
senóide que representa o som é convertido em um grupo de sinais 0 e 1.

Quanto maior a capacidade de gravação dos CD ou quanto menor for o
espaço físico necessário para a gravação digital, que ocupa muito mais
espaço físico para armazenar a mesma quantidade de som (com harmônicos
e tudo) do que um equipamento analógico, melhor será o som do CD. Hoje,
por uma questão do espaço exigido pela tecnologia disponível, há
necessidade de uma redução da quantidade de harmônicos para que caiba
em um CD, portanto, em tese, a qualidade do CD é menor. Ocorre que a
diferença não é quase perceptível pelo ouvido humano médio. Em discos
analógicos de vinil ou alumínio o som é muito
mais "completo" que o do CD, tem todos os harmônicos que foram
produzidos durante a execução ao vivo. O nosso ouvido é analógico e não
digital, se o digital fosse melhor, com certeza nasceríamos com ouvido
digital. A mídia digital tem outros benefícios.

La Revancha del Tango

Hoje tive um novo companheiro para as longas jornadas de ônibus, o Gotan Project, uma banda que já havia ouvido falar, e só fui ouvir com atenção agora. Não sei como não conheci isso antes, é sensacional! Imagine um dub que ao invés de reggae, utilize o tango como base nas experimentações? Estão lá todos os ingredientes: toneladas de efeitos delay e reverb, com batidas eletrônicas, mas acrescidas do bandoneón (espécie de acordeão) e piano. O grupo é formado por um argentino, um suíço e um francês. Ouvindo uma das músicas do disco "La Revancha del Tango" (2001) , tive a sensação de que já havia ouvido antes, e de fato estava certo. Foi usada na trilha sonora do excelente documentário Surplus, (uma crítica ardente ao consumismo exacerbado da sociedade moderna). E esse é o ingrediente final à fórmula do Gotan Project, pequenas vinhetas políticas, imersas no oceano instrumental de suas músicas. Seja no momento de crise, do "Que se vayan todos" da Argentina de 2001, ou no quase mantra "Queremos Paz". Há um outro disco deles, chamado "Lunático" (2006), que já está na minha lista de desejos do Nicotine (cliente Soulseek, para Linux).