Afrobeat: Jazz, Groove e resistência!

Ao falar sobre música como forma de resistência e/ou indignação em relação às atrocidades da ordem vigente, normalmente pensa-se em movimentos como o Folk estadunidense (notoriamente Woody Guthrie e seu pupilo Bob Dylan) e o Punk, que  espalhou belas práticas como a do faça-você-mesmo. Mas há um paralelo africano com esses movimentos que infelizmente é pouquíssimo conhecido, o Afrobeat. Criado por Fela Ransome Kuti, o Afrobeat é uma mistura de jazz, funk e ritmos tradicionais africanos (highlife music). Fela Kuti nasceu na Nigéria e na juventude mudou-se para Londres a fim de estudar medicina, mas foi a música que capturou sua essência. Na Inglaterra mesmo, ele formou a banda ‘Koola Lobitos’.

No final dos anos 60, Fela Kuti foi para os Estados Unidos e gravou o disco, ‘The Los Angeles sessions’, e conheceu o grupo anti-racista ‘Panteras Negras’ que lhe mostrou o movimento blackpower, e acabou definindo sua luta política em prol de movimentos sociais na sua terra natal, tanto que ele renomeou a banda para ‘Nigéria 70’. Fela adotou o nome Anikulapo, que significava ‘aquele que carrega a morte no bolso’, e repudiou o nome Ransome por ser o nome de escravo da família. Com títulos sugestivos como Vagabundos no Poder, as músicas de Fela ridicularizavam os militares e a elite nigeriana, que cada vez mais explorava os pobres e usava da violência no regime ditatorial. Fela Kuti, muitas vezes, falava de problemas e tristeza em meio a percussões, sax, vozes femininas, bateria – groove. Sua mensagem passava do campo político para o campo humano, o que produzia uma atmosfera de identificação e prazer em suas apresentações, um clima de interação. O cenário de seus shows, um emaranhado de som, imagens, dança, ilusão e sonho, estava diretamente ligado a suas lutas e àquilo em que acreditava.

No auge de sua rebeldia – e megalomania -, Fela juntou seus seguidores e fundou a república de Kalakuta, declarando-a independente da Nigéria. O lugar, um conjunto de casas pintadas de amarelo e cercadas por arame farpado, tornou-se o lar perfeito para o retorno às raízes africanas que Fela tanto buscava em suas canções. O músico passava a maior parte dos dias sentado em um trono, vestindo apenas uma tanga e fumando baseados de maconha egípcia que impressionavam pelo tamanho. Para completar, casou-se com 27 mulheres de uma só vez, em uma cerimônia tribal que faria inveja a qualquer rockstar americano.

Na noite de 18 de fevereiro de 1977, mil soldados do exército nigeriano montaram cerco à comuna conhecida como República de Kalakuta. A missão era calar o maior popstar e rebelde antimilitarista africano: Fela Kuti. Mulheres foram estupradas pelos soldados e a mãe de Fela Kuti foi atirada do segundo andar de sua própria casa, vindo a falecer alguns meses depois. Fogo, destruição e a prisão de Fela Kuti foram os resultados da ação militar. Depois de um período de exílio em gana, o músico retornou à Nigéria. Durante os anos que se seguiram, Fela continuou a desafiar os militares e a ditadura na Nigéria e voltou para a cadeia algumas vezes, até que no dia 2 de agosto de 1997, morreu vítima da aids. 

Sua música criativa e sincera ficou como influência em grandes jazzistas como Femi Kuti, (filho do Fela) o etíope Mulatu Astatke e o excelentíssimo grupo novaiorquino Antibalas Afrobeat Orchestra. O Antibalas é um dos meus grupos favoritos e está na ativa seguindo a tradição do afrobeat, juntando ritmos dançantes e experimentalismo à uma profunda mensagem política e humana.

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