Como Kafka e Sartre, Albert Camus nos apresenta o ser humano face ao absurdo da existência. Quando tive contato com o livro de sua autoria "A Peste", a primeira impressão que tive, é que Oran, a cidade onde a história se passa, guarda muitas semelhanças com Joinville. O trecho abaixo dá uma idéia:
Uma forma cômoda de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Quer dizer que as pessoas se entendiam e se dedicam a criar hábitos. Nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecer. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, conforme sua própria expressão, em fazer negócios. Naturalmente, apreciam prazeres simples, gostam das mulheres, de cinema, e de banhos de mar. Muito sensatamente, porém, reservam os prazeres para os domingos e os sábados a noite, procurando, nos outros dias da semana, ganhar muito dinheiro.
O livro ilustra a reação dos habitantes de Oran, ao depararem-se com uma peste contagiosa. Naturalmente, a maior parte dos cidadãos demorou algumas semanas para admitir a existência da peste. Isso pois lhes parecia absurdo que uma cidade tão exemplar nos quesitos da moral e dos bons costumes, onde todos trabalham com tanto esforço, poderia ser atingida por um flagelo tão horrível.
Com o decorrer do tempo, o médico Bernard Rieux, junto com outros voluntários, iniciam uma luta contra a peste, mesmo desconhecendo tanto a origem do mal, bem como se será realmente possível vencê-lo. Uma história profunda e existencialista, refletindo sobre diversos aspectos da condição humana, onde a cidade de Oran pode ser vista como uma espécie de microcosmo que representa simbolicamente as situações gerais do macrocosmo.
Bem, Joinville não está sendo atingida por nenhuma peste bubônica, mas mesmo assim, um grupo de vereadores insiste em implantar um toque de recolher para menores de 18 anos, a partir das 23h. Será isso nostalgia de um tempo onde as noites eram marcadas por um vazio imenso, acompanhado apenas de militares armados controlando a ordem pública?
Alegam que é uma medida necessária para controlar a criminalidade infantil. Uma reconstrução sintática e semântica mais adequada para mim seria dizer que essa é uma atitude infantil de vereadores criminosos. Pois para mim impedir jovens de transitar pelas ruas representa um crime contra o direito fundamental de ir e vir.
Lembro de uma vez quando tinha 16 ou 17 anos, que subi o morro do mirante de bicicleta a noite com alguns amigos, para observar de lá do alto do Morro do Boa Vista a beleza das luzes da cidade na madrugada. Depois pedalamos mais um pouco pelas ruas desertas, e voltamos para a casa quando o dia estava amanhecendo. Essa experiência nunca teria sido possível, se um policial nos parasse e levasse-nos até em casa, alegando cumprir ordens municipais.
É necessário reconhecer que há toda uma problemática de uso de crack por menores nas ruas (bem como por maiores), mas que é um problema sério e complexo, que geralmente está associado a frustrações psicológicas. Seria mais interessante um plano municipal de assistência psicológica para acompanhar essas pessoas que vivem nas ruas, para entender porquê essas crianças foram obrigadas a tomar essa vida (provavelmente não é uma escolha voluntária). A prática do toque de recolher seria o típico tapar o sol com a peneira, seria obrigar essas pessoas mais prejudicadas a usarem as drogas dentro de casas abandonadas e fingir que o problema não existe. Resumindo, é uma prática de higienização social, o "varrer a sujeira para de baixo do tapete".
“A limpeza e a censura tem que começar nesses blogs ai que tantam desestabilizar a nossa vida calma e tranquila, desvirtuando a moral e os bons constumes… =P”
Fantástico Oriel… Em SP, no interior essas leis tem pêgo e as estatisticas mostram que a criminalidade diminuiu, mas é que nem lei a lei seca.
No começo é tudo as mil maravilhas, depois de um tempo volta ao que era antes.
E o pior é essa descaracterização da função da família, responsabilidade do estado por ter menores nas ruas a noite? Cadê os pais deles? Pra onde foi a educação que lhes foi dada?
Com sorte, aprovaremos antes o fechamento dessas câmaras e senados xD
É a bio-política na sua forma mais evidente. O controle do Estado sob a vida das pessoas, decidindo o horário em que os jovens podem transitar nas ruas, dificultando as relações de sociabilidade, etc.
E se nossos jovens são imaturos, como disse o colega abaixo, é porque vivemos em uma sociedade politicamente imatura, onde tudo é permitido pois deixamos a responsabilidade individual nas mãos do Estado.
Será que não está na hora de tomarmos as rédeas de nossas vidas e ao invés de reprimir, tentar entender o porque nossos jovens agem assim? O que falta no mundo (pós)moderno e porque as necessidades se convertem um frustrações?
Belo texto amigo,
Abraços
Valeu pelo comentário!
É, a imaturidade dos jovens é reflexo de uma educação precária, mas reprimir só piora a situação..
Felizmente, acho que esse projeto de lei não vai ter sucesso 🙂
abráás!
Parabéns pelo texto bem escrito.
Já havia lido a Peste a bastante tempo, mas não me lembrava das semelhanças com Jlle, muito bem observadas.
Concordo plenamente quando vc critica a lei sob o ponto de vista da higienização do centro da cidade ou do mero paliativo para o consumo de crack. Também por que está lei atenta contra a liberdade de ir e vir.
Contudo já vi muita guriada fazendo merda na noite por aí. Infelizmente são poucos que tem a capacidade de subir o mirante pra contemplar a alvorada. Tenho dado aula pra alunos nessa faixa etária e posso dizer que o nível de imaturidade é gritante. Tenho sérias dúvidas se o melhor lugar para eles num seria em casa mesmo até alcançarem um nível de crescimento e amadurecimento maior.
Só para refletir sobre esse ângulo. Mas a princípio, sou contrario a esta lei também.
abraços