O absurdo e a revolta em Albert Camus

Deus está morto, disse Nietzsche. Ele havia suas razões para fazer tal declaração.
O pensamento científico tratou de arrancar pela raiz a pesada árvore da teologia, espantou os fantasmas da metafísica e declarou o império dos sentidos. Observação, análise, experimento. Com Galileu não somos mais o centro do universo, com Darwin não somos mais que um animal como tantos outros, um amontoado de células que se ajustam por um longo processo de evolução e adaptação. Em suma: já não precisamos recorrer aos deuses, temos agora uma narrativa perfeitamente natural e podemos verificá-la com nossos sentidos.

A morte de Deus não nos leva apenas a uma crise narrativa, em que o mito transcendental perde seu protagonismo, ela nos apresenta também uma violenta crise de valores. Se não há mais deuses, quem nos indicará a diferença entre o bem o mal? De um lado, a possibilidade de reescrever a história, de criar valores que afirmem todo o potencial humano. Mas o risco aqui é iminente: o aparecimento do niilismo como ausência de valores e de sentido, o reino do absurdo. A história do século XX nos fornece um trágico panorama de onde esta ausência de valores pode nos levar: campos de concentração, gulags, bombas atômicas; já no seculo XXI, nos perguntamos se encontraremos a auto-aniquilação através de uma catástrofe climática ou bélica.

A partir de uma analogia com o mito grego de Sísifo, Albert Camus considera a condição humana como condenação a uma vida absurda:

“Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde ela caía de novo, em consequência do seu peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança”.

A vida, quando vista como jornada inútil e sem sentido, nos leva a um desfecho trágico: a morte ou o suicídio. É esta perspectiva que encontramos em “O estrangeiro” de Camus: um homem guiado por circunstâncias casuais, unicamente pelo prazer ou desprazer dos sentidos, desprovido de qualquer valor. Matar ou morrer se torna uma questão irrelevante. Camus não foi o único a explorar as facetas de uma vida sem sentido: Em Kafka, o absurdo permeia as relações familiares (Metamorfose), as leis e os tribunais (O processo) e as penitenciárias (Na Colônia Penal). Em Beckett (Esperando Godot), o absurdo está na inútil espera por alguém que nunca chega. Com George Orwell (1984), o absurdo totalitário é capaz de desfigurar os eventos históricos, a linguagem e a matemática: 2+2=5. A particularidade em Camus foi de ter-nos deixado dois belos ensaios onde ele desenvolve uma filosofia crítica de sua obra literária, em “O Mito de Sísifo” e “O homem revoltado”.

Se a saída existêncialista em Sartre é de responsabilizarmo-nos pela criação de nossos próprios valores, em Camus encontramos um principio primordial como resposta ao absurdo: a revolta. Resta então revoltarmo-nos contra nossa condenação, criando significado através de uma arte que reflete e combate a absurda condição da existência. Esta revolta implica na rejeição do esvaziamento de todos os valores. Se o niilismo contemporâneo encontra espaço na desfiguração da condição pós-moderna, onde a ausência de valores passa a ser preenchida pela cínica casualidade dos mercados, a revolta como valor último nos leva a afirmar princípios que nos são tão caros: a conjunção entre liberdade e justiça.

Nota: Sobre Camus, Michel Onfray nos diz: “Ele criticou fortemente o capitalismo, o liberalismo, o mercado como produtor das leis, a desumanização de toda política que, de esquerda ou de direita, não continha a preocupação conjunta da justiça e da liberdade. A justiça sem a liberdade, é a ditadura; a liberdade sem a justiça, é a lei do mais forte: ele queria a liberdade e a justiça”.

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