5 meses vivendo na França

Ser um estrangeiro é certamente agradável num primeiro momento, por se encontrar um mundo inteiramente novo, mas em seguida descobrimos que este mundo novo é alheio e exige adaptação..

Estação de Saint-Étienne
Estou há 5 meses vivendo em Saint-Étienne, França, e agora que termino meu primeiro semestre de estudos de mestrado, posso escrever com tempo e com a mente tranquila sobre a experiência. Como em qualquer lugar, existem pontos positivos e negativos sobre morar e estudar aqui. Por ironia esta cidade guarda algumas semelhanças com Joinville, tanto pelo tamanho quanto pela cultura. Saint Etienne é uma cidade conhecida por sua expressiva indústria (bicicletas e armamentos) o que a aproxima de Joinville como uma cidade de trabalhadores industriais – em que grande parte das pessoas ocupam suas vidas principalmente do trabalho e dos negócios. Um sintoma direto disso é que as ruas ficam desertas a partir das 9 da noite e um silêncio fantasma toma conta da cidade. Por outro lado, à luz do dia a cidade tem um aspecto acolhedor, com diversos cafés com mesas a céu aberto e belas praças onde as crianças costumam brincar.

Universidade Jean Monnet
Universidade Jean Monnet
A universidade funciona de uma forma que inicialmente me pareceu estranha, sem horário fixo semanal para as disciplinas. Ou seja, a cada semana o número total de aulas e a distribuição destas para cada disciplina é diferente. Durante o semestre, a distribuicão das aulas segue mais ou menos a curva gausssiana: nas primeiras semanas há poucas aulas e apenas na manhã; nas semanas seguintes a quantidade de aulas aumenta gradativamente até chegar ao pico, com aulas todos os dias em todas as manhãs e tardes; e ao fim do semestre a quantidade de aulas volta então a diminuir até chegar aos exames finais. Estudei disciplinas que flertam com o campo da visão computacional e das cores: Algorithm Design and Analysis, Image Processing and Analysis, Color Science, Optics and Photonics e Data Analysis and Statistics. Todas elas apresentam conteúdos que são de grande interesse para mim, mas quando apresentadas em um pacote acadêmico, com a pressão de conseguir notas suficientes para ser aprovado, infelizmente acaba perdendo um pouco a graça.. Mas os momentos passados em laboratórios, reproduzindo experimentos como o prisma de Newton que divide a luz branca em seus componentes coloridos, reanimam o sentimento da descoberta e da curiosidade, que deveriam ser a essência da atividade científica.

Trem Saint-Étienne
Trem de Saint-Étienne
Sobre o trânsito e a mobilidade urbana em Saint-Étienne, há um sistema interessante de aluguel de bicicletas, que inclusive sou usuário, com uma assinatura de 15 euros por ano para utilizar livremente qualquer bicicleta pública quando for preciso. O ponto negativo é que praticamente não há ciclovias para o uso destas bicicletas. O principal meio de transporte público dentro da cidade é o trem, que corta a rua principal de Saint Étienne. Como nesta rua há apenas o trilho de trem em todo seu percurso, ciclistas e motoristas frequentemente se locomovem por esse trilho, tomando cuidado para que não o façam quando o trem está a caminho – o que é certamente arriscado para os ciclistas, mas é a única opção em alguns casos.

Estou morando em uma residência universitária chamada La Cotonne, em uma kitnet de 9 metros quadrados. Pela primeira vez estou pagando minhas contas, fazendo minha própria comida e lavando minhas roupas – o sentimento de independência financeira é positivo e gratificante. A residência tem pontos positivos, como a cozinha compartilhada, onde é possível conhecer pessoas diferentes e o ambiente acaba lembrando as tradicionais cozinhas de hostel. Mas esta residência tem alguns problemas sérios que me deixaram desapontado. Em nome da “boa convivência”, não se permite que faça qualquer barulho nos quartos após as 11 da noite. Há um inspetor que controla os quartos, e caso eu esteja conversando com alguém ao telefone, por exemplo, ele irá bater na porta e me pedir para parar de falar. Outro ponto no mínimo bizarro é que estes mesmos inspetores da residência possuem chaves de todos os quartos e inspecionam os quartos para verificar se estão limpos ou arrumados. Na semana das minhas provas finais, em que apenas estudei e o quarto virou uma bagunça, um dia me deparo com um bilhete deixado em meu quarto onde estava escrito “vous devez netoyer votre chambre” (você deve limpar seu quarto). A Internet na residênia é também estritamente controlada, sites de compartilhamento de arquivos, torrent, p2p e sites de conteúdo erótico são todos bloqueados.

Fico imaginando se isso ocorre apenas nessa residência, que talvez seja administrada por algum fascista paranóico, ou se este tipo de prática é também comum em outras residências universitárias. Ao me deparar com essas condições, em que a privacidade é anulada em detrimento de um “bem maior social”, não me impressiona terem sido franceses, Foucault e Deleuze, dois dos filósofos que mais criticaram o surgimento de uma sociedade disciplinar e de uma sociedade de controle.

Manifestantes imigrantes
Estas questões nos aproximam também do que pode ser considerado o principal problema social que atinge atualmente toda a França, incluindo Saint-Étienne – o problema da imigração, principalmente de países árabes. O estado francês tem sido acusado de políticas duras e por vezes fascistas contra imigrantes, como colocá-los dentro de trailers e os despejarem para fora do país. Foi polêmica também a proibição do uso da burca que deixa apenas os olhos das mulheres à mostra. Eventualmente observo em Saint-Étienne passeatas de movimentos de apoio aos imigrantes, pedindo mais justiça e denunciando casos deste tipo.

Em último lugar, e não menos importante a se colocar, o que realmente pesa por aqui para mim é a solidão e por vezes a falta de comunicação (não tenho oportunidade de falar em português com frequência). Ter deixado os amigos e a família e partir para um lugar com uma língua e cultura diferentes é um grande desafio. Mas encaro com força e determinação, pois como muitos dizem, aquilo que não nos mata nos faz mais fortes. Minha amada também está a caminho, o que me tranquiliza e me prepara para uma lua de mel francesa!

2 thoughts on “5 meses vivendo na França”

  1. Sinistro essa censura da internet e a questão da “limpeza”. Bateu solidão bate um skype com o papai aqui.
    Abracitos, ori

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