Obsolescência Programada: Burroughs tinha razão!

Em um trecho do livro “On the Road”, Jack Kerouac relata uma de suas viagens feitas à New Orleans, para visitar seu velho amigo Willian Burroughs (apelidado de Old Bull Lee no livro). Entre as inúmeras excentricidades de Burroughs, estavam suas declarações de ódio pela burocracia capitalista e o governo dos Estados Unidos, como este seguinte parágrafo [1]:

Quando terminar de arrancar todos esses pregos vou construir uma prateleira que vai durar mil anos! – disse Bull, com cada osso estremecendo de satisfação infantil. – E então, Sal, já percebeu que as prateleiras feitas hoje em dia quebram ou então desabam sob o peso das quinquilharias depois de seis meses de uso? O mesmo aconteceu com as casas, e com as roupas. Esses filhos da puta já inventaram o plástico e com ele poderiam fazer casas que durassem para sempre. E os pneus? Os americanos se matam aos milhões todos os anos com pneus de borracha defeituosa que aquecem nas estradas e estouram. Eles poderiam fabricar pneus que jamais estourassem. Com a pasta de dentes acontece a mesma coisa. Eles inventaram uma espécie de goma que não mostram a ninguém, uma goma que, fosse mascada quando criança, a pessoa não teria uma única cárie até o fim dos seus dias. Com as roupas a história se repete. Eles poderiam fazer roupas que durassem para sempre. Preferem fazer trapos ordinários para que todo mundo continue trabalhando e batendo ponto e se organizando em sindicatos imbecis e se aborrecendo enquanto a grande safadeza prossegue em Washington e Moscou – Ergueu sua grande peça de madeira podre. – Você não acha que dará uma esplêndida prateleira?

No contexto em que a narrativa se desenrola, onde Kerouac descreve a rotina alucinada de um Burroughs imerso no uso de anfetaminas, há grandes chances que o leitor interprete os fatos expressados no trecho acima como uma paranóia conspiratória de um velho delirante. Pois bem, o documentário “A obsolescencia programada” nos mostra que Burroughs estava assustadoramente certo (ao menos no sentido metafórico). O filme espanhol revela com detalhes uma das faces mais curiosas da produção na economia capitalista, a chamada obsolescencia programada – a necessidade que o mercado possui de vender produtos efêmeros, de curta vida-útil, para que as pessoas logo troquem os produtos “velhos” por novos e o ciclo incessante do consumo continue em seu ritmo frenético.

É fato que muitas pessoas tenham pelo menos uma leve impressão de que boa parte dos produtos estão cada vez mais frágeis, ou como dizem os mais velhos: as coisas não são mais fabricadas como antigamente. O que não se imagina é que a maioria dos produtos são desenvolvidos metodicamente para que durem pouco, sendo esta uma das características mais importantes de seu processo industrial – muitas vezes os produtos passam por testes que assegurem que sua vida útil seja menor que um prazo máximo estabelecido. Temos então o cenário surreal em que engenheiros estudam por anos a fio em unversidades, para que depois de formados utilizem seu conhecimento técnico para diminuir ao máximo a vida útil dos produtos eletrônicos por eles projetados.

Um caso notável são as impressoras de jato de tinta: aqueles que já tiveram um modelo como as clássicas “HP Deskjet” devem saber como elas costumam parar de funcionar repentinamente. Ao levarmos a impressora para consertar em uma assistência técnica, o aviso é sempre o mesmo: “vale mais a pena comprar uma nova que consertar”. O que os fabricantes não nos contam, é que há um circuito contador na impressora, uma EEPROM com a função de “auto-destruir” o equipamento depois de um número programado de impressões. E assim a história da industrialização capitalista evoluiu. Lâmpadas, tecidos, aparelhos eletrônicos em geral, todos projetados para durar pouco e dar continuidade ao ciclo do consumo. O resultado: montanhas de lixo eletrônico e industrial despejadas em países africanos (tratados como o lixo do mundo), crianças que passam seus dias brincando com resíduos de cobre, mercúrio e silício. Recomendo a todos que assistam o documentário e tirem suas próprias conclusões:

O que me parece ser uma das principais estratégias da obsolescencia programada nos dias atuais são as baterias eletrônicas, normalmente baseadas em Lithium-Ion. A companhia Apple, por exemplo, foi levada ao tribunal nos Estados Unidos por fabricar Ipods com baterias que tinham vida-útil curta e por recusarem-se a vender baterias novas avulsas, obrigando o consumidor a comprar um produto novo [2]. A situação é similar em relação aos notebooks, sabemos que as baterias são as primeiras a se danificarem (com duração média de 300-400 ciclos), e quando tentamos trocá-las, descobrimos que comprar um notebook novo vai sair mais barato que comprar apenas uma nova bateria.

Mesmo os carros elétricos, que aparentemente são um avanço no ponto de vista ecológico por não produzirem poluição decorrente da queima de carbono, estão enfim se popularizando em versões baseadas em baterias elétricas carregáveis, fabricadas para terem uma vida útil bastante limitada quando comparada à capacidade científica de produzirmos baterias de longa duração [3]. Se o petróleo está com os anos contados, as baterias que se danificam em menos de 3 anos parecem ser um substituto à altura para manter o consumidor algemado às companhias, “para que todo mundo continue trabalhando e batendo ponto e se organizando em sindicatos imbecis”, como diria Burroughs.

É notável que a relação entre a economia e a ciência seja bastante sinuosa, onde descobertas que ameaçam interesses comerciais (muitas vezes relacionados à obsolescencia programada) foram censuradas por inúmeras vezes. A energia solar é um exemplo curioso, pois seria razoável que uma civilização supostamente inteligente como a nossa (recebemos um duplo Sapiens em nosso subgênero primata!) seguisse o exemplo da natureza e investisse grande esforço em pesquisas que maximizem a eficiência de geradores e baterias solares. É trágico, mas não há instituições financeiras suficientes apoiando essas pesquisas, pelo provável fato de que a energia solar não garante lucro e não beneficia a prática da obsolescencia programada.

Dito isto, encontro razões para fortalecer ainda mais minha tese básica de que a sociedade do consumo insustentável precisa cessar, simplesmente porquê nosso planeta não possui recursos naturais infinitos e estes não podem ser explorados apenas para que uma elite econômica continue enriquecendo. A principal arma que temos contra essa situação é a informação e o conhecimento – estarmos cientes da barbárie é o primeiro passo para combatê-la. Se a indústria nos impõe um ritmo alucinante de consumo, podemos negá-lo e produzir o contra-consumo criativo – práticas de faça-você-mesmo, o ativismo em movimentos sociais, a revelação de como o jogo se desenrola, a economia solidária, a engenharia reversa de hackers que desprogramam contadores de impressoras e compartilham seus códigos para toda a comunidade.

A boa notícia é que o conhecimento nunca circulou tão rapidamente como na atualidade, e hoje possuímos algumas ferramentas poderosas para nos livrar da obsolescencia programada em nossas vidas. Além do caso citado no documentário de programadores que compartilham códigos que desbloqueiam as impressoras programadas para parar de funcionar, podemos ainda encontrar na internet manuais que nos ensinam a construir nosso próprio gerador hidrelétrico utilizando uma roda de bicicleta e imãs de discos rígidos estragados – com algum conhecimento de eletrônica e com um rio por perto, podemos ter nosso próprio gerador hidrelétrico [4].

E se a indústria do sofware nos obriga a comprar todo ano computadores de última geração para executar o sistema operacional e o software mais recente, encontramos também sistemas GNU/Linux que podem ser executados sem problemas em computadores antigos [5]. De fato, o desenvolvimendo do movimento de software livre [6] nos anos 80 foi um passo importante para que se começasse a repensar a relação entre a tecnologia e economia. Richard Stallman percebeu que a organização econômica de nossa sociedade geralmente atrapalha muito o desenvolvimento de tecnologias avançadas e abertas. Hoje, a influência do movimento de código aberto (open source) se difundiu para fora do campo do software, e temos ideias inovadoras como o open hardware e open design [7].

Se a obsolescencia programada é uma necessidade da economia e do mercado, temos mais uma grande razão para nos rebelarmos contra estes e buscar formas econômicas alternativas. Repito que precisamos superar uma economia que posiciona o lucro antes das pessoas e evidentemente esta não é uma tarefa fácil, mas não deixemos de pensar, refletir, criar e agir para que nossos sonhos se tornem realidade.

Referências

[1] KEROUAC, Jack. On the road. Porto Alegre: L&PM, 2006.
[2] http://www.engadget.com/2005/06/02/apple-agrees-to-settlement-in-ipod-battery-class-action-suit/
[3] http://editorial.autos.msn.com/article.aspx?cp-documentid=1176838
[4] https://www.youtube.com/watch?v=uWa5vC_KwSI
[5] http://www.elciudadano.cl/2012/01/26/47482/linux-contra-la-obsolescencia-programada/
[6] http://www.fsf.org/
[7] http://opendesignnow.org/

Relato de uma Imersão


A Imersão de (desc)construtiva de Arte e Tecnologia foi um evento informal ocorrido em Floripa entre os dias 11 e 15 de Janeiro de 2010, onde estudantes de computação, engenharia, história, física, arte e psicologia se encontraram para criar e compartilhar artefatos técnicos. O ambiente foi a casa dos Tragtenberg, graças ao apoio de João, que a exemplo de seu conhecido avô, faz a sua parte por um futuro mais interessante.
Tantas pessoas juntas de áreas diferentes me fez lembrar os encontros da Conferência Macy, ocorridos entre 1946 e 1953, onde a cibernética foi fundada. Mas o aspecto das várias disciplinas coexistindo parece ser o único comum entre a Imersão e as Conferências Macy. Há uma diferença essencial: apesar da cibernética ter sido uma das primeiras iniciativas de uma pesquisa amplamente transdisciplinar, ela estava sendo criada para usos militares, e seus resultados permaneciam ocultos.

Na imersão de Arte e Tecnologia, o compartilhamento e o aprendizado coletivo definiram o modo de trabalho, influência inegável da cultura do software livre e do copyleft. Mas para que criar artefatos técnicos, o mundo já não está cheio deles?
As razões podem ser várias: para fazer música, para uma instalação interativa, para obter um transmissor de rádio. Tudo depende dos interesses individuais ou coletivos daqueles que inventam. Não há nada de novo aqui, as pessoas sempre inventaram. Mas nos últimos 150 anos, o que prevaleceu foi a invenção patenteada, o enjaulamento das idéias. Precisamos levar as idéias, nossas criações, para seu espaço de origem, para o meio comum.

Aconteceram oficinas de eletrônica básica e de linguagens multimídia livres como PureData, Processing e Arduino. Foram desenvolvidos projetos como um bafômetro, um robô feito com um leitor de células (de uma máquina caça níquel), luzes dinâmicas, miniamplificadores e comunicação sem fio para o Arduino.

Há uma série de coisas que estamos começando a (re)pensar. Qual o significado do que chamamos de culto à gambiarra? É apenas mais um "hobismo" de classe média, ou uma tendência de criação improvisada para as próximas décadas, à medida que as pessoas tornem-se cansadas de serem passivas, alvos inertes da produção em massa das fábricas?

Essa questão fica para ser respondida mais tarde, pois na medida em que estas redes de troca de conhecimentos se fortalecerem, teremos mais indícios e respostas. Por enquanto ficam fotos, vídeos e relatos , ainda sob construção.

Imersão na Lagoa da Conceição:

 Animação gif da imersão na Lagoa da Conceição

 

Futuros Imaginários

Futuros Imaginários, de Richard Barbrook, trata principalmente de uma questão: até quando iremos permitir que nosso futuro seja imaginado a partir da ficção cientítica de Hollywood, carros voadores, guerras de andróides, tecnocracias baseadas em clonagem e etc? Não poderíamos construir nosso próprio futuro enquanto uma comunidade composta por agentes ativos e autônomos? O livro foi traduzido para o português de forma colaborativa (como na produção de programas de código aberto) e foi lançado no Brasil pelo Descentro, na décima edição do FISL (Fórum Internacional do Software Livre). O livro foi lançado em Copyleft, ou seja, a cópia é permitida e incentivada, e o download está disponível aqui.

Segue abaixo um trecho do livro.

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Ativistas da Nova Esquerda foram inspirados pelo sonho situacionista de quebrar a divisão entre produtores de mídia e consumidores. Em 1977, Félix Guattari anunciou orgulhosamente que as estações de rádios livres italianas criaram com êxito a primeira ágora eletrônica: “o imenso encontro permanente das ondas do ar”. Os ouvintes eram agora produtores.

No início os anos 1980, esse filósofo-psicanalista francês também celebrava as ossibilidades subversivas do sistema Minitel. Como as estações de rádio comunitárias, as redes de computadores eram inerentemente participativas e igualitárias. Em Mil platôs, Guattari – e seu colega da Nova Esquerda, Deleuze – previram que as hierarquias piramidais do estado e do mercado achariam cada vez mais dificuldade em controlar esses fluídos e autônomos “rizomas” que emergiam em oposição à sociedade cibernética de controle. Entre intelectuais radicais, essa atualização assegurou que o mcluhanismo ao estilo hippie mantivesse sua posição como a teoria de ponta. No momento em que a Internet se tornou um fenômeno de massa, os escritos de Deleuze e Guattari pareceram verdadeiramente proféticos. A conquista tecnológica mais importante da ética hacker colocou os princípios da Nova Esquerda em prática. Em meados dos anos 1990, Hakim Bey – um popularizador estadunidense dessa teoria libertária – identificou as comunidades virtuais da Internet com as subculturas subversivas das cenas das raves, das ocupações e dos festivais: “zona autônoma temporária”. Como a Nova Esquerda previra três décadas antes, o futuro era anarco-comunista. Na virada do milênio, Toni Negri – o profeta do autonomismo italiano – e Michael Hardt – seu camarada estadunidense – declaravam que a Internet preparava o caminho para a vitória das “multidões” oprimidas da humanidade sobre o “império” do capitalismo corporativo. Em apoio às suas visões, Maurizio Lazzarato anteviu a iminente queda do sistema fabril. Empresas ponto com já dispensavam as hierarquias fordistas. Dentro da emergente economia da informação, os produtores eram seus próprios gerentes.

Desde meados dos anos 1990, as possibilidades culturais e políticas abertas pela Internet se tornaram simbolizadas por novos ícones: ciborgues socialistas-feministas, hackers anarco-comunistas e artesões digitais social-democratas. Durante as últimas quatro décadas, suas atitudes “façam-vocês-mesmos” transformaram com sucesso as máquinas de fazer guerra e dinheiro em ferramentas de sociabilidade e expressão pessoal. No início do século XXI, os usuários da Internet são agora tanto consumidores quanto produtores de mídia. A vanguarda perdeu seu monopólio ideológico. O espetáculo foi quebrado. Dentro da Internet, o comunismo cibernético existe
aqui e agora. 

Entretanto, ao mesmo tempo, a chegada da sociedade da informação não precipitou uma transformação social mais extensa. O pós-fordismo é quase indistinguível do fordismo. O comunismo cibernético é bem compatível com o capitalismo ponto com. Ao contrário do que diziam as doutrinas do mcluhanismo, a convergência das mídias, das telecomunicações e da computação não libertou – e nunca libertará – a humanidade. A Internet é uma ferramenta útil, não uma tecnologia redentora. Na teoria sem fetiche, são os humanos os heróis da grande narrativa da história. No final da década de 2000, pessoas comuns tomaram o controle de sofisticadas tecnologias da
informação para melhorar suas vidas cotidianas e suas condições sociais. Liberada dos futuros pré-determinados do mcluhanismo, essa conquista emancipatória pode fornecer inspiração para novas antecipações da forma das coisas que virão. Criatividade cooperativa e democracia participativa devem ser estendidas do mundo virtual para todas as áreas da vida. Dessa vez, o novo estágio de crescimento deve ser uma nova civilização. Mais do que disciplinar o presente, essas novas visões futuristas podem ser abertas e flexíveis. Nós somos os inventores de nossas próprias tecnologias. Nós podemos controlar nossas próprias máquinas. Nós somos os criadores das formas das
coisas que virão.

Metareciclagem: quando o resto vira o novo quociente da divisão

Um dos desafios de nosso tempo é o que fazer com a crescente quantidade de lixo gerado pelos objetos e tecnologias da vida cotidiana. Pensando nessa questão complicada, a Metareciclagem foi uma iniciativa que surgiu no Brasil, visando dar utilidade prática a componentes de computadores antigos ou estragados. Os coletivos de metareciclagem incorporaram ainda o uso de Software Livre e organizando-se em coletivos horizontais, como redes de cooperação mútua.

Porém, o passo mais importante a se dar, é concretizar práticas de reciclagem na vida cotidiana. Basta pensar um pouco antes de atirar no lixeiro aquele objeto que a primeira vista parece desnecessário. Dois exemplos feitos pela Bruna:

 

Porta-canetas modernista

Materiais:

– 2 rolos de etiquetas (ou fita adesiva)

– Uma tira de fita crepe

– Imagens para decorar (quadros do Kandinsky são uma boa escolha)

 

Antes:

 

Depois de pronto:

 

 Utilizando:

 

 

Luminária feita com CD’s

Há algum tempo o Gustavo me deu uma caixa de CD’s da versão 5 do Ubuntu GNU/Linux, que não consegui distribuir pois a versão já estava bem ultrapassada. Não me desfiz dos CD´s pois sabia que alguma hora surgiria uma idéia do que fazer com eles. Não deu outra, a Bruna deu um jeito.

Materiais:

– Cerca de 50 CD’s

– Um cabo de cobre

– Um interruptor do tipo que desliza

– Uma tomada (pinos de alimentação)

– Um bocal de lâmpada

– Uma lâmpada (de preferência fria)

– Uma caixa (de madeira ou papelão) para a base

 

Corte os CD’s em algum formato padronizado, por exemplo um triângulo. É importante que se tenha em mente o tamanho da lâmpada, assim cortando os CD’s de forma que a lâmpada caiba no meio deles.

Para isso, utilize uma serra de marceneiro, e nâo esqueça de lixar para tirar as farpas:

 

Conecte o bocal, a tomada e o interruptor ao cabo de alimentação:

 

 Utilize algum tipo de material com pouca espessura para colocar entre as camadas verticais de CD’s, distanciando-as de acordo com a espessura do material. Utilize alguma cola forte como super-bonde para colar os CD’s. Encaixe o bocal na base e em seguida cole o fundo das camadas de CD’s na mesma. Se preferir, cole um papel decorativo na superfície. Encaixe a lâmpada e está pronto:

 

 Utilizando: