A Peste e o Toque de Recolher em Joinville

Como Kafka e Sartre, Albert Camus nos apresenta o ser humano face ao absurdo da existência. Quando tive contato com o livro de sua autoria "A Peste", a primeira impressão que tive, é que Oran, a cidade onde a história se passa, guarda muitas semelhanças com Joinville. O trecho abaixo dá uma idéia:

  Uma forma cômoda de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Quer dizer que as pessoas se entendiam e se dedicam a criar hábitos. Nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecer. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, conforme sua própria expressão, em fazer negócios. Naturalmente, apreciam prazeres simples, gostam das mulheres, de cinema, e de banhos de mar. Muito sensatamente, porém, reservam os prazeres para os domingos e os sábados a noite, procurando, nos outros dias da semana, ganhar muito dinheiro.

O livro ilustra a reação dos habitantes de Oran, ao depararem-se com uma peste contagiosa. Naturalmente, a maiAlbert Camusor parte dos cidadãos demorou algumas semanas para admitir a existência da peste. Isso pois lhes parecia absurdo que uma cidade tão exemplar nos quesitos da moral e dos bons costumes, onde todos trabalham com tanto esforço, poderia ser atingida por um flagelo tão horrível.

Com o decorrer do tempo, o médico Bernard Rieux, junto com outros voluntários, iniciam uma luta contra a peste, mesmo desconhecendo tanto a origem do mal, bem como se será realmente possível vencê-lo. Uma história profunda e existencialista, refletindo sobre diversos aspectos da condição humana, onde a cidade de Oran pode ser vista como uma espécie de microcosmo que representa simbolicamente as situações gerais do macrocosmo.

Bem, Joinville não está sendo atingida por nenhuma peste bubônica, mas mesmo assim, um grupo de vereadores insiste em implantar um toque de recolher para menores de 18 anos, a partir das 23h. Será isso nostalgia de um tempo onde as noites eram marcadas por um vazio imenso, acompanhado apenas de militares armados controlando a ordem pública?

Alegam que é uma medida necessária para controlar a criminalidade infantil. Uma reconstrução sintática e semântica mais adequada para mim seria dizer que essa é uma atitude infantil de vereadores criminosos. Pois para mim impedir jovens de transitar pelas ruas representa um crime contra o direito fundamental de ir e vir.

Lembro de uma vez quando tinha 16 ou 17 anos, que subi o morro do mirante de bicicleta a noite com alguns amigos, para observar de lá do alto do Morro do Boa Vista a beleza das luzes da cidade na madrugada. Depois pedalamos mais um pouco pelas ruas desertas, e voltamos para a casa quando o dia estava amanhecendo. Essa experiência nunca teria sido possível, se um policial nos parasse e levasse-nos até em casa, alegando cumprir ordens municipais.

É necessário reconhecer que há toda uma problemática de uso de crack por menores nas ruas (bem como por maiores), mas que é um problema sério e complexo, que geralmente está associado a frustrações psicológicas. Seria mais interessante um plano municipal de assistência psicológica para acompanhar essas pessoas que vivem nas ruas, para entender porquê essas crianças foram obrigadas a tomar essa vida (provavelmente não é uma escolha voluntária). A prática do toque de recolher seria o típico tapar o sol com a peneira, seria obrigar essas pessoas mais prejudicadas a usarem as drogas dentro de casas abandonadas e fingir que o problema não existe. Resumindo, é uma prática de higienização social, o "varrer a sujeira para de baixo do tapete".

Pi, o filme : Não quero seu dinheiro, apenas seu Sílicio

 

Com um ar expressionista, filmado todo em preto e branco com alto contraste, Pi, de Darren Aronofsky, é um filme de clima tenso, que expõe um matemático a beira da insanidade, em sua busca pelo padrão numérico definitivo, aquele que determina o comportamento genérico da natureza. Estudando os padões na bolsa de valores, Max chega a um mesmo número que um matemático judeu que estuda os padrões numéricos no Torá.  Como o matemático grego Pitágoras, Max acredita que todas as coisas são números. Isso é ressaltado ao longo do filme, com a repetição do seguinte monólogo de Max:

"Eu reassumo minhas posições:
1- A matemática é a língua da natureza.
2- Tudo o que existe pode ser representado e entendido por números.
3- Se você criar gráficos dos números de qualquer sistema, padrões surgirão
4- Existem padrões em todos os lugares da natureza".

Mas de forma análoga ao personagem Fausto, de Goethe, Max torna-se obcecado e paranóico em sua incessante busca pela Verdade. Como Fausto, que realiza o clássico pacto com o Diabo afim de obter o segredo da existência, Max faz um acordo com a máfia suja que procura faturar alto por trás da bolsa de valores. A princípio ele nega o dinheiro que lhe foi oferecido, afirmando que suas pesquisas não são motivadas pelo dinheiro, mas sim pela curiosidade científica. Mas o processador valvulado de Max queima ao calcular pela primeira vez a sequência de 216 números que definiria o comportamento do número Pi, o que faz com que o matemático acabe por aceitar um acordo com os investidores, onde ele teria que fornecer seus resultados e em troca receberia um poderoso microprocessador de Silício.  

O estilo do diretor Darren Aronofsky, ao usar a repetição frenética de cenas e diálogos, enquadramentos ousados, situações perturbadoras e os efeitos de substâncias químicas no organismo seria adotado mais tarde também no filme Requiem para um Sonho, do mesmo diretor.
A situação vivida por Max nos traz à mente filmes como "El maquinista", de Brad Anderson , e a fotografia traz a lembrança do clássico expressionista "Metropolis" de Fritz Lang, assim como "Eraserhead" de David Lynch.

O número Pi

Pi é o valor da razão entre o comprimento da circunferência e o seu diâmetro. Também é uma das mais antigas constantes matemáticas conhecidas (fala-se do Pi em relatos feitos pelos antigos gregos, há mais de dois mil anos). Um círculo é, provavelmente, a forma geométrica mais perfeita e simples conhecida pelo ser humano. Como o Pi não é uma fração, não existe uma forma de descobrir seu valor exato. Na escola, aprendemos apenas que Pi é igual a 3,14 – e já basta para os cálculos das aulas de matemática e física. Já em cálculos científicos, usam-se mais dois números após a vírgula: 3,1416.

Praticamente desde que o Pi existe, matemáticos e pesquisadores de todo o mundo têm dedicado muito tempo a calcular e descobrir mais e mais dígitos possíveis após a vírgula, transformando o valor de Pi em um número gigantesco. Sendo um número infinito, muitos matemáticos se dedicam também a pesquisar os incalculáveis dígitos do Pi em busca de um padrão, um número perfeito que seria a resposta para tudo o que existe no Universo.

Nada melhor que finalizar o texto com o Pi contendo 10.000 números após a vírgula:

3.1415926535897932384626433832795028841971693993751058209749445923078164062862
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Referências
http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/pi.html
http://oldweb.cecm.sfu.ca/projects/ISC/dataB/isc/C/pi10000.txt

Paul Feyerabend: pela democracia na ciência

Feyerabend tornou-se famoso pela sua visão anarquista da ciência e por
sua suposta rejeição da existência de regras metodológicas universais. Ele indignou-se especialmente com
atitudes condescendentes de muitos cientistas em relação a tradições
alternativas. Por exemplo, ele pensava que opiniões negativas a
respeito da astrologia e a eficiência de danças da chuva não estavam
justificadas por pesquisas cientifícas, e dissimulavam
predominantemente atitudes negativas de elitismo e racismo. Em sua
opinião, a ciência tornou-se uma ideologia repressiva, muito embora
tenha surgido como um movimento de libertação. Segundo o pensamento de
Feyerabend uma sociedade pluralística deve proteger-se de ser muito
influenciada pela ciência, assim como de outras ideologias.

Feyerabend, fazendo uma careta verycrazyIniciando com a suposição de que um método científico universal
historicamente não existe, Feyerabend argumenta que a ciência não
merece o status privilegiado que possui na sociedade ocidental.
Uma vez que os pontos de vista científicos não surgem de um método
universal que garanta conclusões de alta qualidade, ele sustentou que
não há justificação para a valorização científica reivindicada sobre
outras ideologias, como as religiões, por exemplo. Argumenta também que
conquistas científicas como a chegada do homem à lua não são razão
suficiente para dar à ciência um status especial. Em sua
opinião, não é justo utilizar suposições científicas para determinar
quais problemas merecem ser resolvidos e para julgar o mérito de outras
ideologias. Além disso, o sucesso dos cientistas está tradicionalmente
envolvido com elementos não-científicos, tais como inspiração a partir
de pensamentos míticos ou de fontes religiosas.

Baseado nestes argumentos, Feyerabend defendeu a idéia de que a
ciência deve ser separada do estado da mesma maneira que a religião é
separada na moderna sociedade secular. Ele vislumbrou uma "sociedade
livre" na qual "todas as tradições têm iguais direitos e igual acesso
aos centros de poder". Por exemplo, os pais devem ser capazes de
determinar o contexto ideológico da educação de seus filhos, em vez de
terem suas opções limitadas pelos padrões científicos. De acordo com
Feyerabend, a ciência deve também estar sujeita ao controle
democrático: não apenas determinar que assuntos devem ser pesquisados
através de eleição popular, as suposições e conclusões científicas
também devem ser supervisionadas por comitês de pessoas leigas. Segundo
ele os cidadãos devem utilizar seus próprios princípios ao tomar
decisões a respeito do que realmente importa. Em sua opinião, a idéia
de que as decisões devam ser racionalistas é elitista, pois
assume que filósofos ou cientistas estão em posição de determinar os
critérios pelos quais as pessoas em geral devem tomar suas decisões.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Feyerabend

A sociedade dos Big Brothers voluntários

Há mais de uma década, todas as maiores cidades do mundo passaram a
ser equipadas com câmeras de vigilância. A justificativa dada pelos
governos sempre foi clara: garantir a segurança. A maior parte das
pessoas não questionou e acabou por aceitar essa nova realidade,
sutilmente imposta pelas autoridades locais. O senso comum diz "porquê
vou me preocupar com câmeras? Não tenho nada a esconder, sou um cidadão
de bem, e além do mais, essas câmeras são importantes para que sejam
identificados atos criminosos" . A identificação dos criminosos
certamente é um dos objetivos da implantação das câmeras, mas há um
outro ponto que não é exatamente o controle da violência, mas um tipo
muito peculiar de controle social. É claro que precisamos ainda definir
o que são "os criminosos". É comum governos e corporações considerarem
criminosos aqueles que lutam contra injustiças praticadas por essas
instituições. Um exemplo simples, adaptado à realidade de Joinville,
foi a perseguição realizada contra integrantes do Movimento Passe Livre
em 2005 [1]. Seguranças contratados pelas empresas de transporte
coletivo da cidade seguiram e ameaçaram através de  "terrorismo
psicológico"  militantes do movimento, que estavam participando de
protestos contra os aumentos da tarifa de ônibus. Com as câmeras de
vigilância, esse tipo de controle social torna-se potencialmente ainda
mais efetivo.

Analogia com a ficção de George Orwell

Na
vigilância pública realizada pelos governos e polícias, todas as
imagens ficam gravadas e restritas a um número limitado de pessoas, que
trabalham nas centrais de monitoramento.
Esse é um tipo de controle realizado pelas autoridades com objetivos de manter a "ordem" e a "harmonia".

Big BrotherPelo
caráter de imposição e controle vertical, pode ser feito uma analogia
entre esse tipo de vigilância e o que ocorre na ficção de George
Orwell, 1984, escrita no ano de 1948.
Em 1984, todas as ruas e casas
são equipadas com tele-telas, dispositivos que filmam e reproduzem a
imagem do Grande Irmão (Big Brother), com seu olhar severo de eterno
vigilante. O Grande Irmão é uma figura interessante, pois apesar de ser
visto pelas tele-telas, ninguém nunca o viu fisicamente. Trata-se de
uma figura tão mistificada e poderosa, que aparentemente não possui
existência física.

O objetivo das tele-telas é registrar atos que
possam representar dissidências ao Estado/Partido. A ênfase nesse caso
é na disciplina, onde todas as pessoas devem obediencia total ao
estado, sendo proibida qualquer forma de pensamento livre, criatividade
ou mesmo expressão de emoções. A única expressão permitida é a
declaração de dever ao Partido.

Todavia, seria exagerado e
paranóico afirmar que a ficção de Orwell  está se profetizando. O
controle por meio do Estado descrito por Orwell, representa um Poder
que seria melhor associado com aquilo que Michel Foucault chamou de
Sociedade Disciplinar, a partir de seus estudos das chamadas
instituições disciplinares clássicas: clínica/hospício, escola e
prisões. Essa Sociedade Disciplinar foi a forma como o Poder se
desenvolveu no século XX, através dos regimes totalitários, guiados por
nomes como Stalin, Hitler, Mussolini, Franco ou ainda, Getúlio Vargas.

Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle

Com
o advento dos meios de comunicação em massa, dos regimes de democracia
representativa e dos setores de prestação de serviços, o Poder veio a
adquirir formas mais sofisticadas de ação, menos baseado na repressão
explícita, dando ênfase às liberdades de consumo e a incorporação de
símbolos, onde a publicidade utiliza princípios de semiótica para
vender cada vez mais. Gilles Deleuze defende que a concretização da
Sociedade Disciplinar é a Sociedade de Controle (que normalmente vem
sendo chamada de Sociedade de Rede ou da Informação).  Trata-se do
capital assumindo a forma rizomática, interiorizada, onde o controle
passa a ser mais horizontal do que vertical, mesmo que isso pareça
contraditório.

Depois do capital ter se apropriado das artes,
dos meios de comunicação e ter se adentrado cada vez mais nos campos
subjetivos, agora ele se funde nos processos criativos, no
inconsciente, nos desejos humanos mais íntimos. Diminui-se a ação do
Poder, sob a forma da Disciplina, na forma agressiva e impositora. Na
sociedade disciplinar existia a censura, a confissão, a perda da
identidade. Agora você pode ser quem quiser, ser comunista e usar uma
camiseta do MST, ter um site na internet criticando qualquer governo de
qualquer país (com excessão da China), que provavelmente você não será
exilado por isso. Essas liberdades são sempre apenas liberdades de
consumo, onde tudo é reduzido ao título de mercadoria, mesmo a
rebeldia. Desse modo, poderíamos concluir que se faz cada vez menos
necessária uma imposição de disciplina de um governo sob a população,
pois as próprias pessoas estão começando a realizar esse (auto)controle
[2] , por exemplo, através de formas voluntárias de vigilância e
exposição de suas vidas.

O cenário Web

O
sucesso das redes de relacionamento social na web podem ser indícios de
que Deleuze tenha alguma razão. Luli Radfahrer [3] afirma que o
micro-blog twitter é uma espécie de Big Brother voluntário, onde as
pessoas dão detalhes sobre tudo o que estão fazendo, sem que sejam
obrigadas a isso. De fato, parece que estamos vivendo um tempo da
efetivação dos Big Brothers voluntários, sendo o sucesso de audiência
do programa de televisão de mesmo nome o maior exemplo de como a
vigilância é um fator crucial em nossa atual sociedade.

Homem com as calças caindo pego pelo Street ViewA
nova tecnologia do Google, o Street View, leva essa vigilância a um
nível ainda mais alto. O Google Street View permite que se navegue
pelas ruas de uma cidade em três dimensões, com 360 graus na horizontal
e 270 graus na vertical. Um carro do Google transita pelas ruas das
cidades, tirando fotos, que ficam disponíveis a qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo. É a situação dos big brother voluntários, onde todos vigiam todos, levada ao nível das imagens.

Alguns sites como a comunidade GSTV Brasil
foram criados para disponibilizar imagens de pessoas em momentos
frustrantes, captadas pelo Street View. Houve também um caso polêmico
de divórcio causado através do Street View: um homem havia avisado sua
mulher que sairia de férias e navegando pela ferramenta ela descobriu
que o carro de seu marido estava em frente à casa de sua amante, na
mesma cidade.Após esses casos, o Google passou a borrar os rostos das
pessoas e placas de carros nas imagens, alegando que dessa forma
protegeria a privacidade das pessoas. 

O Google vem seguindo
há alguns anos a prática de não apagar nenhuma informação de seus
servidores e é bem provável que o mesmo está sendo aplicado ao Street
View. Isso significa que seus servidores tem o potencial de armazenar
um histórico com imagens de tudo o que ocorre nas maiores cidades do
mundo.

A implantação de câmeras pelas cidades é algo que ameaça
não apenas a privacidade, mas o próprio livre-arbítrio. A partir do
momento que sabemos que existem câmeras mapeando nossos movimentos,
agiremos de forma diferente, guiados pelo medo de sermos vistos sendo
nós mesmos. Temo que o produto a longo prazo disso seja algo como
descrito em Homem Duplo, conto cyberpunk de Philip K. Dick, onde o
personagem principal se vê numa situação onde trabalha como vigilante,
controlando todos os seus amigos e ao mesmo tempo vigiando sua própria
vida.

Todos esse fatores, a princípio, podem nos levar a adotar
uma visão pessimista. Mas há uma série de iniciativas baseadas em
princípios vindos da cultura hacker que tem lutado por políticas de
privacidade na internet. A Privacy International, por exemplo, foi quem conseguiu que o Google borrasse o rosto das pessoas no Street View. É
importante que questinemos a implantação de novas tecnologias, pois
elas nunca são neutras, tendo impactos diversos sob todos os espectros
da vida humana.

[1] Mais informações sobre o caso em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/11/335517.shtml

[2] Mais sobre poder rizomático, em  "Neuromagma e Multidão",
por Peter Pal Perbart. Disponível em
http://www.rizoma.net/interna.php?id=140&secao=neuropolitica

[3] Entrevista com Luli Radfahrer, disponível em http://www.luli.com.br/media/0828_groisman.mp3

Palavras de Jiddu Krishnamurti

Embora
haja atualmente tanto saber em tão variados campos, isso não faz
cessar a brutalidade do homem para com o homem, mesmo entre membros
de um mesmo grupo. É possível que o saber esteja nos tornando cego
para o que bem pode representar a solução real de toda essa
confusão e miséria.

——–

Estamos acostumados a ser dirigidos pela autoridade e pelo
guia. O desejo de ser guiado surge do desejo de segurança, de
proteção, e bem assim do desejo de sucesso, bom êxito.

Na nossa ânsia de segurança, não só como indivíduos, mas
também como grupos, nações e raças, não construímos um mundo
onde a guerra, por dentro e por fora de uma dada sociedade, se tornou
a principal causa de apreensão?

A paz é um estado de espírito; é o estado livre de todo e
qualquer desejo de segurança. A mente-coração, se busca a
segurança, terá sempre a persegui-la a sombra do medo. Nosso desejo
não é apenas de segurança material, porém, muito mais, de
segurança interior, psicológica. E é esse desejo de segurança,
interiormente, por meio da virtude, da crença, ou por meio de uma
nação, que cria grupos e idéias cheias de limitações e portanto
antagônicas.

Esse desejo de segurança, faz surgir a aceitação de
dirigentes, a autoridade dos líderes, Salvadores, Mestre. Estamos
procurando compreender o desejo de ser dirigido, não é verdade? que
impulso é esse? Não é produto do medo?

————

A família como meio de mútua segurança interior é um fator
de conflito e confusão.

O amor nunca é segurança; o amor é um estado em que não
existe desejo de estar em segurança; é um estado de
vulnerabilidade; é o único estado em que a exclusão, a inimizade e
o ódio são impossíveis. 

Nesse estado uma família pode tornar-se existente, mas nunca
será exclusiva, egocêntrica.

———-

 Meditação é libertar a mente de toda desonestidade. O pensamento gera
desonestidade. O pensamento, no seu esforço para ser honesto, é
comparativo e, portanto, desonesto. (…) Meditação é o movimento
dessa honestidade no silêncio.

Mais sobre dualismo e cristianismo

Publiquei o texto do post anterior no site do CMI-Brasil, nesse link. Houve uma pequena discussão interessante, que vou reproduzir aqui:

 Comentário 1

Dualidade e dualismo
Janos Biro 27/02/2009 14:57

janosbirozero@gmail.com
antizero.rg3.net

Olá

Acho
que há um ano atrás eu concordaria com este texto. Mas depois de
estudar sobre religião eu acho que ele tem algumas brechas.

A
começar a dualidade platônica não é entre o bem e o mal, e na verdade
Platão não era exatamente um dualista, e afinal ele é pré-cristão,
então o erro não seria do cristianismo. Quem instaura a dualidade como
a conhecemos hoje é Descartes, mas o cristianismo original não é
cartesiano. Quando criticamos o dualismo estamos criticando a idéia de
que há duas realidades distintas no universo. Se é tudo é uma coisa só,
tudo pode ser explicado por um só método. De qualquer forma a ciência
ganha, e embora a física quântica use um pouco de dualidade, o resto da
ciência quantitativa se apóia no oposto.

Negar o dualismo não
pode ser igual a negar toda e qualquer bifurcação. Algumas coisas
simplesmente têm dois lados, como uma moeda. Claro, há um dualismo no
cristianismo, mas ele não leva às conclusões do autor. O dualismo é que
Deus é absolutamente diferente do mundo físico, e logo não pode
alcançado pelo homem com ciência, por exemplo, como o deísmo afirma.

Não acho que este dualismo deva ser rejeitado a priori, o que não justifica o dualismo que o autor critica, é claro.

É
o cristianismo que está transvestido de modernidade, ou a modernidade
que está transvestida de cristianismo? Há alguns anos atrás houve um
surto de cristianismo no Brasil, de neopentecostalismo principalmente,
apoiado por expansão do poder midiático das igrejas. Mas é algo muito
diferente do que era o cristianismo original, talvez até oposto,
segundo muitos teólogos e sociólogos da religião.

Eu concordo
que essas igrejas se tornaram comércios. E mesmo os ateus e agnósticos
se tornaram sim muito parecidos com estes religiosos, porque no fundo
todos estão atrás de dinheiro e poder.

Mas, dizer que não
existe verdade absoluta acaba servindo hoje em dia para afirmar que não
há verdade de forma alguma, estabelecendo uma relatividade absoluta.
Isso também não funciona.

No trecho "O cristianismo é a
ideologia do sofrimento, da martirização, da negação da vida, do
autoritarismo, do julgamento e da remissão dos pecados", eu observaria
algumas coisas. Cristianismo não é procurar o sofrimento, mas entender
que todos vamos sofrer, e saber aprender com isso. Sacrifício é uma
parte importante da vida, que nossa sociedade, exatamente pode ser uma
sociedade do prazer, do descompromisso e da desconfiança (por ser
também do sadismo e da exploração), não aceita. Agora negação da vida?
Só é negação da vida se você reduz a vida ao caráter meramente
biológico dela, ignorando seu significado para além da ciência.
Autoritarismo? Também acho que não, embora a autoridade seja sim um
valor para o cristianismo, não é autoridade forçada. Julgamento e
remissão dos pecados também tem seu sentido para o cristianismo, mas
isso não justifica qualquer julgamento, apenas o julgamento divino.

Um
cristão não pode dividir as pessoas em pecadores e não pecadores, por
conta própria. Só Deus pode fazer isso, e a princípio somos todos
pecadores, e nem por isso devemos ser impecáveis, apenas evitar o
pecado. A Bíblia não diz que deve-se cortar os laços com quem peca, se
este estiver disposto a reconhecer seu erro e mudar. Auto-crítica não é
isso também?

Um amigo antropólogo que estuda indígenas
brasileiros me falou uma vez de uma sociedade indígena onde tudo,
absolutamente tudo, era dividido em dois. Me esqueci o nome das duas
palavras, mas funcionava assim, todas as pessoas e coisas são do tipo A
ou do tipo B, elas herdam isso de nascença, pela herança paterna ou
materna, não me lembro, e a pessoa de um tipo não pode casar com uma
pessoa do mesmo tipo, e assim por diante. Eles tem um dualismo, mas não
entre bem e mal.

Mas a teologia cristã na verdade nega o
dualismo bem/mal, diretamente. Segundo alguns teólogos, o bem é a única
coisa que existe, e o mal representa a falta de bem, como frio é falta
de calor. A falta absoluta de bem anula a si mesma. Isso é só um
exemplo.

Grande parte dos falsos dualismos que são defendidos
hoje não tem origem cristã. Então eu acho que seu texto poderia ficar
melhor, sem essas associações precipitadas. Quer criticar o dualismo?
Pode criticar. Quer criticar o cristianismo? Pode criticar. Quer
criticar as duas coisas ao mesmo tempo? Isso é bem mais complicado.

Abraços

Janos

Comentário 2

Exato
humilde 27/02/2009 20:32

Creio que Juno matou a parada!Jesus cristo pregou a vida em abundancia,
e seu ponto de partida e’ de um pai amoroso que se sacrifica pelo seu
filho.O verdadeiro cristâo da’ a vida pelas geracoes
futuras!Misericordia e piedade para aqueles que se arrependem de seus
erros!

Comentário 3

Cristianismo Libertário
Kaiser 77 28/02/2009 19:34

http://cesarcrash.blogspot.com

Talvez o meu commentário não acrescente nada. Mas também me sinto na
obrigação de dizer que sofrimento, martirização,negação da vida e
autoritarismo, pode ter muito a ver com os ensinamentos de religiões,
igrejas ou pregadores, mas nada tem a ver com o cristianismo puro e
autêntico. Sobre o julgamento, manter distância dos outros, isso é
justamente o oposto dos ensinamentos de Cristo, que diz que devemos
amar a todos, e todos inclui também nossos inimigos. O verdadeiro
cristão não é aquele que não peca, mas aquele que reconhece os seus
pecados.
E aliás, sobre ateus e agnósticos, acredito que tanto
estes como também punks, índios, prostitutas, moradores de rua, têm em
geral valores cristãos que hoje faltam, talvez, na maior parte dos que
hoje se dizem cristãos.

Comentário 4 (minha resposta)

Dualismo e cristianismo de uma única vez
Oriel Frigo 28/02/2009 19:51

Primeiramente, desculpe pelas generalizações. Esse é um tema que dá
muito pano pra manga, e abordá-lo com um texto tão curto acaba por
prejudicar algumas das idéias que pretendi expor.

Quero
deixar claro que quando falo em cristianismo, estou me referindo à
ideologia disseminada pelo império romano, o cristianismo que
conhecemos hoje. Estou ciente de que o cristianismo primitivo tinha um
caráter diferenciado, tendendo para o libertário, com influências do
gnosticismo e do misticismo oriental. Concordo que o dualismo pregado
no cristianismo não tem origem cristã. Pensadores cristãos como Santo
Agostinho organizaram a "ideologia cristã" com uma base forte em
Platão. Mas convenhamos, o dualismo de Platão é por demais parecido com
o da igreja católica, enquanto o primeiro criou a distinção entre "o
mundo das idéias" e o "o mundo dos sentidos", o segundo se utilizou
dessa mesma base, trocando apenas o "mundo das idéias" pelo "mundo dos
espíritos". Tanto em Platão quando no cristianismo, existe a crença
numa espécie de pureza do primeiro mundo, divino, intocável pelos
humanos, enquanto o "mundo dos sentidos" é considerado sujo,
pecaminoso, etc.

Tudo bem, os dualismos constituem as bases
para diversas religiões e filosofias, mesmo nos budistas ou em
Schopenhauer, iremos encontrar essa distinção entre fenômeno e coisa em
si, sendo sempre o mundo dos fenômenos desvalorizado e o da coisa em si
aquilo que é intocável e imutável. Respeito essas crenças, mas acredito
que o mundo dos opostos muitas vezes funcione como uma espécie de
atração perigosa, assim como o próprio racionalismo desenfreado.
Enquanto acreditamos em um dos lados, estamos sujeitos a atitudes
dogmáticas e totalitárias, que frequentemente tem nos levado a
abstrações rígidas e desumanas como Estado, Igreja, Poder. Não acredito
que devamos sucumbir a um relativismo absoluto, mas acho que precisamos
de boas doses de relativismo e de visão transdisciplinar para superar
alguns dos maiores erros de nossa civilização. A coisa é tão profunda,
que mesmo dentro do movimento anarquista, observamos várias pessoas
pregando uma dicotomia. Por um lado, existiria o "anarquismo social" ,
do outro o "anarquismo individual ou de estilo de vida". Alguns
defendem que o primeiro é o legítimo anarquismo, o verdadeiro caminho a
ser atingido para alcançar a revolução social, outros acreditam o
inverso. É tão difícil assim enxergar que dicotomias como indíviduo X
coletivo nos levam a uma polarização onde os dois extremos acabam por
ser incompletos? O ser humano não é nem um ser apenas individual, nem
apenas um produto social, é ambos. Vários campos da ciência e filosofia
tem aberto essa discussão, estudando conceitos aparentemente opostos
como "parte X todo" ou "onda X partícula" ou ainda "corpo X mente". A
conclusão está sempre tendendo para o seguinte:

a) A parte não
pode ser eficientemente compreendida unicamente e isoladamente, e nem o
todo. No fim das contas, segundo biólogos como Humberto Maturana em
seus estudos de organismos vivos, o todo é mais do que a simples soma
das partes e cada parte contém uma espécie de princípio do todo. Isso
curiosamente pode se aplicar a relações parte-todo tão distintas como
indíviduo-sociedade, organismo-corpo, átomo-molécula, molécula-célula.

b)
Diversos físicos acreditaram que o nível mais fundamental da matéria se
comporta como uma partícula, com propriedades físicas como massa e
carga elétrica. Com o estudo da luz e a descoberta de que a velocidade
e posição das partículas se comportam de forma não determinística, como
uma onda de probabilidades, os cientistas passaram a acreditar que
elétrons, mésons seriam ondas. Hoje se acredita que ambos sejam
corretos, dependendo do referencial do observador.

c) Doenças
como câncer não podem ser consideradas nem como sendo uma patalogia
puramente corporal e nem como puramente mental. A medicina oriental há
milênios desconhece a separação corpo-mente, e trabalha a cura a partir
de uma perspectiva psicossomática.

Negação da vida e ideologia do sofrimento

Quando
falo em negação da vida, isso se refere ao termo que Nietzsche
trabalhou, o fato do cristianismo romano ter travado uma guerra contra
os instintos humanos, contra o sexo, os prazeres, a alegria de viver, a
espontaneidade. O prazer até é permitido em algum ponto, mas sob
severas limitações.
No fundo isso é uma consequência daquele velho
dualismo de Platão, que enxerga o mundo dos sentidos (por acaso o mundo
em que vivemos), como algo pecaminoso.
Para entender o que quero
dizer com ideologia do sofrimento, basta pensar no símbolo máximo do
cristianismo. Um homem completamente ensaguentado, flagelado, pendurado
numa cruz. Esse símbolo representa um ideal a ser atingido, a
martirização.Trata-se de uma imagem que faz seus seguidores sentirem
culpa, sentirem-se reponsabilizados pelo assassinato de seu santo. Não
falo isso como um espectador que conhece vagamente a ideologia cristã.
Fui educado por uma família rigidamente católica, inclusive por
catequistas. Encarei dentro da família uma censura contra a diversão, a
alegria e o sexo. Os únicos valores dignos são o trabalho, o
sofrimento, o doar-se pelo próximo. E o mais fantástico, é que o
essencial na defesa desses conceitos é a imagem. Mesmo os mais
ferrenhos luteranos, vangloriando a imagem do trabalho, no fundo é
sempre possível perceber que eles não amam tanto assim trabalhar. Eles
amam a imagem do trabalho. Assim como tantas pessoas não amam tanto
assim doar-se ao próximo, mas estão fascinadas pela imagem que passam
aos outros e principalmente a imagem que passam para Deus, que estará
julgando no purgatório *. Uma vida baseada na repressão e em
castrações, segundo Wilhelm Reich, causa diversas "sequelas" no âmbito
social/político. Não é por acaso que na ficção de George Orwell, 1984,
o sexo e os instintos são mantidos em controle, para que a sociedade
possa dedicar todo o esforço ao estado e à obediência cega.

Diversos
pensadores dialético-materialistas como Bakunin, defenderam que o que
impossibilita os cristãos de lutarem por um "mundo terreno" mais justo,
é a crença de que as injustiças sociais são naturais, frutos do pecado original de Adão e Eva, e simplesmente não podem ser
combatidas. Para muitos cristãos, a revolução irá acontecer, mas no
momento da morte, quando será possível encontrar o paraíso utópico, a
vida eterna prometida por Cristo. Por isso que religiões mais
fundamentalistas como os testemunhas de jeová ou os adventistas, adotam
um compromisso de afastamento ou de serem "neutros" nos assuntos
políticos "mundanos".

É um desafio criticar tanto o
cristianismo como o dualismo de uma única vez, mas ao contrário do que
foi colocado, acho que os dois estão muito ligados, a não ser que se
esteja falando de interpretações alternativas do ensinamento de Cristo,
como levadas a cabo pelos gnósticos ** ou por Tolstoi. O dualismo
rígido vem de Sócrates, passando por Platão e Aristóteles mas o
cristianismo comprou a idéia. E hoje, diversos grupos que não possuem
mais nenhuma ligação com o cristianismo continuam comprando essa idéia.
O que enxergamos como resultado são as novas cruzadas da inquisição
neoliberal, marxista ou tecnocrática, onde indíviduos são seduzidos
pelo dualismo bem-mal, e sempre acreditam estar percorrendo o caminho
do bem, enquanto todas as outras crenças e atitudes são o caminho do
mal. Isso é um tremendo obstáculo para superarmos nossas diferenças e
pudermos finalmente caminhar na estrada da pluralidade.

*
Poderia-se ainda discutir que apenas o Deus do antigo testamento julga,
e o Deus do novo testamento não parece mais julgar, em vez de um
legislador e destruidor de cidades vingativo, Cristo ensinou que Ele
agora é apenas puro amor. Mas o foco aqui não são as contradições da
bíblia, que aparentemente foram ignoradas pelos cristãos romanos.

**
Existe ainda uma interpretação que acredita que Jesus tenha tido vida
sexual com Maria Madalena e que praticava yoga tantrico para atingir a
"iluminação através do orgasmo cósmico".

Comentário 5

 

Falando sobre falsas dicotomias…
Janos Biro 28/02/2009 20:41

janosbirozero@gmail.com
largue.rg3.net

Eu concordo parcialmente com sua resposta, no sentido de que o que é
chamado de cristianismo hoje em dia, ma maior parte das vezes chega a
ser anti-cristão.

Porém, a repressão é apenas um dos lados com
que o totalitarismo funciona, e foi bom você lembrar de Orwell, pois
Huxley escreveu Admirável mundo novo como uma resposta ao 1984, e nele
há uma distopia tão ou mais totalitária que a de Orwell, onde no
entanto não há repressão, pelo contrário, há liberação sexual, de
prazeres e vícios e o mote é: "Não negue-se nada". Acho que a sociedade
hoje deixou de ser tão repressiva quanto ela era, e passou a se parecer
mais com a distopia de Huxley, pelo motivo que ele mesmo alega: é mais
eficiente. A capitalismo exige isso.

Eu sou luterano e eu não
vejo o trabalho como algo valoroso por si só. Na nossa sociedade, o
trabalho é alienante. Mas antes de conhecer essa perspectiva, eu também
julgava conhecer muito bem o cristianismo, e também fui criado num lar
católico. Frequentar a igreja não foi suficiente para que eu conhecesse
a fé cristã.

Mas de qualquer forma parabéns pelo artigo e pela reflexão.

Abraço

 

Doença ocidental e Cristianismo

Temos visto uma diminuição pelo interesse no cristianismo nas últimas gerações, mas se fizermos
uma análise mais profunda, vemos que o cristianismo está lá com todos os seus símbolos mais básicos, apenas transvestidos com outras máscaras.
Parece estranho ouvir que vivemos em uma sociedade cristã, pois todos sabemos que a sociedade moderna ocidental tem seus valores máximos fetichizados sob a forma do consumo, pois nossas igrejas são os shopping centers, nossas orações são os jingles repetidos pela
televisão tão exaustivamente como mantras hindus, ou como ave-marias em um terço católico.
Mesmo entre ateus e agnósticos temos visto o cristianismo impregnado em seus discursos, principalmente sob a forma de dualidades do tipo bem-mal ou sob a crença em alguma verdade absoluta, que é alcançada por algum indíviduo privilegiado.

O cristianismo é a ideologia do sofrimento, da martirização, da negação da vida, do autoritarismo, do julgamento e da remissão dos pecados.
Quantos de nós, assim como cristãos, não estamos sempre dividindo nossos companheiros entre pecadores e não pecadores?
Se algum deles peca, imediatamente cortamos nossos laços interpessoais, e o colocamos na lista de pecadores, aqueles que devemos manter distância, para que possamos preservar nossa "pureza espiritual".


Modestamente, penso que o dualismo reducionista, a divisão binária, só funciona bem para a lógica booleana e a subsequente construção de computadores através de sinais digitais.. E não para a organização social humana!
Não estamos tão presos a ideologias dogmáticas quanto os cristãos medievais, reduzindo e classificando friamente, ao invés de pensar e sentir com o coração?

Porquê não dar um espaço para a espontaneidade e a auto-crítica?

 

Viver cantando

Cartola“Todo mundo tem o direito
De viver cantando
O meu único defeito
É viver pensando
Em que não realizei
E é difícil realizar
Se eu pudesse dar um jeito
Mudaria o meu pensar

O pensamento é uma folha desprendida
Do galho de nossas vidas
Que o vento leva e conduz
É uma luz vacilante e incerta
É o silêncio do cipreste
Escoltado pela cruz”

(Cartola / Carlos Cachaça)

Metareciclagem: quando o resto vira o novo quociente da divisão

Um dos desafios de nosso tempo é o que fazer com a crescente quantidade de lixo gerado pelos objetos e tecnologias da vida cotidiana. Pensando nessa questão complicada, a Metareciclagem foi uma iniciativa que surgiu no Brasil, visando dar utilidade prática a componentes de computadores antigos ou estragados. Os coletivos de metareciclagem incorporaram ainda o uso de Software Livre e organizando-se em coletivos horizontais, como redes de cooperação mútua.

Porém, o passo mais importante a se dar, é concretizar práticas de reciclagem na vida cotidiana. Basta pensar um pouco antes de atirar no lixeiro aquele objeto que a primeira vista parece desnecessário. Dois exemplos feitos pela Bruna:

 

Porta-canetas modernista

Materiais:

– 2 rolos de etiquetas (ou fita adesiva)

– Uma tira de fita crepe

– Imagens para decorar (quadros do Kandinsky são uma boa escolha)

 

Antes:

 

Depois de pronto:

 

 Utilizando:

 

 

Luminária feita com CD’s

Há algum tempo o Gustavo me deu uma caixa de CD’s da versão 5 do Ubuntu GNU/Linux, que não consegui distribuir pois a versão já estava bem ultrapassada. Não me desfiz dos CD´s pois sabia que alguma hora surgiria uma idéia do que fazer com eles. Não deu outra, a Bruna deu um jeito.

Materiais:

– Cerca de 50 CD’s

– Um cabo de cobre

– Um interruptor do tipo que desliza

– Uma tomada (pinos de alimentação)

– Um bocal de lâmpada

– Uma lâmpada (de preferência fria)

– Uma caixa (de madeira ou papelão) para a base

 

Corte os CD’s em algum formato padronizado, por exemplo um triângulo. É importante que se tenha em mente o tamanho da lâmpada, assim cortando os CD’s de forma que a lâmpada caiba no meio deles.

Para isso, utilize uma serra de marceneiro, e nâo esqueça de lixar para tirar as farpas:

 

Conecte o bocal, a tomada e o interruptor ao cabo de alimentação:

 

 Utilize algum tipo de material com pouca espessura para colocar entre as camadas verticais de CD’s, distanciando-as de acordo com a espessura do material. Utilize alguma cola forte como super-bonde para colar os CD’s. Encaixe o bocal na base e em seguida cole o fundo das camadas de CD’s na mesma. Se preferir, cole um papel decorativo na superfície. Encaixe a lâmpada e está pronto:

 

 Utilizando: